06/08/11

Pessoas que fizeram História - Dalila Rocha

Para quem, como eu trabalhou 39 anos e meio nos CTT (tempo que foi de mais mas, curiosamente, não foi suficiente, mas isso é outra história), é natural que nunca me consiga desvincular deste encargo.
Por isso, enquanto puder e souber, e dentro dos meus conhecimentos, abordarei aqui o nome de personalidades que foram figuras públicas, quer nos CTT, quer noutras áreas, mas que, por muito ou pouco tempo, tiveram um vínculo aos CTT.
Numa sociedade predominantemente machista (até há pouco tempo quase exclusivamente machista), é natural de sejam mais homens do que mulheres a aparecer aqui, não significa que não tenham existido mulheres dignas de ficar na História, significa apenas que a História e a Investigação da História não têm desempenhado bem o seu papel.

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Hoje vamos dar a conhecer alguns dados biográficos de Dalila Rocha, que se distinguiu como Actriz, e teve um vínculo aos CTT.
Dalila Ferreira de Sousa Rocha, nasceu em São Pedro de Loureiro (Peso da Régua), em 24-08-1920, e faleceu no Porto, em 28-07-2009. Era filha de Manuel Ferreira, e de Alice dos Anjos. Sendo a mãe Professora e tendo sido colocada na Escola Primária de S. Félix da Marinha, em Vila Nova de Gaia, no final dos anos vinte foi viver para Gaia e, depois para o Porto para frequentar o Liceu Carolina Michaelis, ainda nas instalações primitivas, onde viria a concluir o 5º ano.
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Aos vinte anos foi trabalhar para os Correios, como Telefonista, no Porto, onde permaneceu até à sua profissionalização no teatro (1957) – mais tarde, nos anos setenta, viria de novo a trabalhar nesta empresa, acto que preferiu a submeter-se ao “teatro” que combatia. Interessada nos problemas culturais e políticos (integrou o Movimento de Unidade Democrática, após a II Guerra Mundial) aproximou-se do CCT/TEP ainda antes da vinda de António Pedro para o dirigir.
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Em 18 de Junho de 1953 participou no primeiro espectáculo do TEP, sob a direcção de António Pedro, integrando a grande revolução estética que este operou no Teatro Português, com a introdução da encenação moderna e o sentido da unidade do espectáculo.Entre 1953 e 1961, primeiro como amadora (1953-1957), depois como profissional, foi a grande actriz do primeiro director artístico do TEP, deixando-nos personagens para a memória, como:
  • Linda Loman, em “A Morte de um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller;
  • Antígona e Artemísia, nas duas versões de “Antígona”, de António Pedro,
  • Lady Macbeth, em “Macbeth”, de W. Shakespeare,
  • Sevadilha em “Guerras do Alecrim e Manjerona”, de António José da Silva (O Judeu),
  • Maria do Mar, na “Promessa”, de Santareno,
  • Mary Cavan Tyrone, na “Jornada Para a Noite”, de Eugene O’Neill,
  • Branca em “É Urgente o Amor”, de Luiz Francisco Rebello,
  • Pôncia do Rosário em “O Morgado de Fafe Amoroso”, de Camilo Castelo Branco,
Temple Drake, no “Requiem”, de Faulkner, e tantos outros.com quem mais se identificou, João Guedes; a luz que melhor a valorizou, a de Fernando Teixeira; as fotografias que melhor definiram a exemplar actriz que foi, as de Fernando Aroso; o convívio com o extraordinário pedagogo teatral, que foi Deniz Jacinto.
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Tendo começado aos 33 anos uma carreira teatral exemplar, com António Pedro, foi-lhe muito difícil prosseguir, após a saída do TEP, com a sua actividade regular, até encontrar Luís Miguel Cintra e a sua Cornucópia. Modesta na profissão, fez grandes protagonistas no teatro, mas, também, pequenos papéis, sempre que reconhecia o valor dos encenadores que a dirigiam.
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Protótipo da anti-vedeta foi mais 
extraordinária na cena do que qualquer uma das colegas que assumiram o vedetismo. Entrou em peças como:
  • Gota de Mel, de Techekov;
  • Macheth, de Shakespeare;
  • Mar, de Miguel Torga;
  • A Mordaça, de Sartre;
  • Todos Eram Meus Filhos, de Miller;
  • Jorge Dandim, de Molière, etc.
Também encenou ali as peças:
  • Falar Verdade a Mentir, de Almeida Garrett;
  • e A Sua ou a Outra, de Isabel Schreiber.
Posteriormente, trabalhou no Teatro Villaret, de Lisboa. Actuou em diversas peças nos estúdios da TV, em Lisboa e no Porto. Foi homenageada pelo FITEI (1990) e Festival de Teatro de Almada (2005); Jorge Silva Melo dedicou-lhe “Coriolano”, de W. Shakespeare (1998); recebeu a Medalha de Mérito Municipal – Grau Ouro, da Câmara Municipal do Porto (2004), no mesmo dia em que o CCT/TEP recebeu igual galardão. O seu Teatro Experimental do Porto nomeou-a Sócia Honorária da Bandeira, no Porto, em 18 de Junho de 1998, onde foi lançado o livro “Dalila Rocha – Homenagem”, coordenado por Júlio Gago, com fotografias de Fernando Aroso, depoimentos de 46 personalidade, e edição da Fundação Eng. António de Almeida.
No TEP sentiu a direcção mais exemplar da sua carreira de actriz, a de António Pedro; a direcção de um outro mestre, Augusto Gomes; a dinâmica da contracenar com o actor António Pedro demitiu-se em 1961, mas Dalila Rocha prosseguiu a sua actividade na companhia até Janeiro de 1964, onde além de novas grandes criações, chegou a ser directora da companhia, estreando-se, também, na encenação.

Actriz para quem a ética significava muito mais do que os honorários que poderia receber no final do mês, teve alguns períodos de afastamento dos palcos para não pactuar com o “teatro” que condenava como “arte da mentira”. O seu teatro era uma arte de profunda devoção, de afã estudioso, de um aprofundar milimétrico da sua verdade, e não se compaginava com o de gentes que apenas procuravam o efeito fácil, as palmas ignorantes e ganhos materiais substanciais. O seu teatro, o teatro desta grande Senhora da cena portuguesa era um acto cultural e não um efeito de lazer ou de mentira pretensamente artística, âmbito em que se assumem as mais-valias financeiras, que como arte nunca o são. O seu teatro não era aquele que procurava o lucro fácil e a candidatura a “indústria”, mas aquele que subvertia criticamente o rame-rame de uma sociedade que era necessário mudar para melhor, e nunca deixá-la ficar como estava.


Fonte: “Dicionário de Mulheres Célebres”, (Américo Lopes de Oliveira, Lello & Irmão, Editores)
Fonte: “TEP – Teatro Experimental do Porto, Júlio Gago”
enviado por Manuel Cabaço Lopes, colaborador Tótó honorário

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